Segundo a Mitologia japonesa, nas profundezas das montanhas e florestas, residem os Tengu (天狗), seres místicos que desafiam as fronteiras entre o humano e o divino. Com traços tanto budistas quanto xintoístas, essas criaturas, muitas vezes comparadas a goblins, possuem uma aparência singular: narizes alongados como espadas, barbas espessas e, em algumas lendas, cabeças de pássaros que revelam sua maestria em artes marciais.
Acreditava-se que os Tengu dominassem uma vasta gama de poderes sobrenaturais, desde a habilidade de se transformar em qualquer forma até a capacidade de manipular objetos e mentes à distância. No entanto, sua maior proeza era a de penetrar nos sonhos dos mortais, onde podiam atormentar ou ensinar, dependendo da natureza de seus alvos.
Essas criaturas míticas tinham uma predileção por perturbar aqueles que se deixavam levar pelo orgulho e pela vaidade. Sacerdotes que se gabavam de sua sabedoria, autoridades que abusavam de seu poder e samurais que se entregavam à arrogância eram alvos frequentes de suas travessuras. Acreditava-se que, após a morte, pessoas com tais vícios poderiam renascer como Tengu, condenadas a vagar pelas montanhas como punição por suas transgressões.
Descrição de um Tengu
A representação visual dos Tengu se diversificava em duas categorias principais:
• Karasu Tengu (烏天狗): Essas criaturas combinavam o corpo humanoide com a cabeça de um corvo, criando uma imagem híbrida que sublinhava sua natureza mística e poderosa.
• Konoha Tengu (木の葉天狗): Com traços mais humanoides, os Konoha Tengu se destacavam por suas asas e narizes alongados, que os conectavam à natureza e aos elementos. A pena, frequentemente associada a eles, simbolizava a sabedoria e a conexão com o mundo espiritual. Suas máscaras eram elementos icônicos de festivais, permitindo que as pessoas se conectassem com essas criaturas lendárias.
Origem dos Tengus
A figura do tengu, significando “cão do paraíso” e com raízes na mitologia chinesa, sofreu transformações significativas ao longo da história japonesa. Surgidos no século VI, com a influência do budismo, os tengu se tornaram figuras centrais no folclore, especialmente associados ao Monte Kurama e ao lendário Sojobo.
Imagem: Tengu e um monge budista, por Kawanabe Kyōsai. O Tengu usa o boné e a faixa de pompom de um seguidor de Shugendō.
Ao longo dos séculos, a percepção dos tengu oscilou entre o medo e a veneração. Inicialmente temidos como sequestradores de crianças, eles evoluíram para se tornarem guardiões de templos e até mesmo divindades xintoístas. A arte ukiyo-e, particularmente no período Edo, popularizou a imagem dos tengu, com seus longos narizes, transformando-os em ícones da cultura popular, muitas vezes retratados de forma cômica ou satírica.
Lendas e Histórias
Nos séculos IX e X, os tengu eram vistos como mestres da ilusão e da manipulação, capazes de realizar feitos sobrenaturais que desafiavam a compreensão humana. Associados aos yokai, esses espíritos montanheses eram conhecidos por enganar viajantes com música encantadora e aterrorizar aldeias com aparições fantasmagóricas. Uma de suas habilidades mais temidas era a de possuir humanos, concedendo-lhes poderes extraordinários, como a escrita de kanji. Qualquer evento inexplicável era atribuído à sua interferência, solidificando sua reputação como seres poderosos e imprevisíveis.
Clique ou Pressione os Títulos abaixo para expandir
Em um dia de chuva, banhado por uma luz celestial, um homem sábio deparou-se com uma visão que o deixou perplexo: um Buda, radiante e rodeado de flores, materializado em uma árvore. No entanto, a sabedoria do homem o fez desconfiar. Sentando-se aos pés da árvore, ele fixou seu olhar no Buda, desafiando a ilusão.
Após uma hora de intensa concentração, o disfarce do tengu começou a se desfazer. Suas formas etéreas se dissiparam, revelando a verdadeira natureza da criatura, que, enfraquecida e ferida, caiu da árvore com suas asas quebradas.
Em algum momento na história, a ambição de um monge por reconhecimento o levou a um pacto com um tengu, que lhe concedeu os poderes necessários para curar um imperador enfermo. No entanto, essa façanha miraculosa teve um preço alto: ao aceitar os poderes sobrenaturais, o monge se afastou do caminho da iluminação e caiu em profunda angústia.
Consumido pela culpa e pelo arrependimento, ele percebeu que a busca por poder e fama o havia levado à perdição. Essa lenda serve como um alerta sobre os perigos da ambição desmedida, sugerindo que aqueles que buscam poderes além dos limites da natureza humana estão fadados a sofrer as consequências de suas escolhas.
Um menino olha através de um pedaço comum de bambu e finge que pode ver lugares distantes. Um tengu, dominado pela curiosidade, se oferece para trocá-lo por um manto de palha mágica que torna o usuário invisível. Tendo enganado o tengu, o menino continua sua travessura enquanto usa a capa. Outra versão desta história fala de um velho feio que engana um tengu para lhe dar seu manto mágico e causa caos para seus companheiros aldeões. A história termina com o tengu recuperando o casaco através de um jogo de troca de enigmas e pune o homem transformando-o em um lobo.
Um velho tem um caroço ou tumor no rosto. Nas montanhas, ele encontra um bando de tengu se divertindo e se junta à dança deles. Ele os agrada tanto que eles querem que ele se junte a eles na noite seguinte e ofereça um presente para ele. Além disso, eles tiram o caroço de seu rosto, pensando que ele vai querer de volta e, portanto, tem que se juntar a eles na noite seguinte. Um vizinho desagradável, que também tem um caroço, ouve falar da boa sorte do velho e tenta repeti-la e roubar o presente. O tengu, no entanto, simplesmente lhe dá o primeiro caroço além do seu, porque eles estão enojados com sua dança ruim e porque ele tentou roubar o presente.
Um senhor obtém o leque mágico de um tengu, que pode encolher ou crescer narizes. Ele secretamente usa este item para estender grotescamente o nariz da filha de um homem rico e depois encolhê-lo novamente em troca de sua mão em casamento. Mais tarde, ele acidentalmente se abana enquanto cochila, e seu nariz cresce tanto que chega ao céu, resultando em um doloroso infortúnio para ele.
Um jogador encontra um tengu, que lhe pergunta do que ele tem mais medo. O jogador mente, alegando que tem pavor de ouro ou mochi. O tengu responde com sinceridade que tem medo de um tipo de planta ou algum outro item mundano. O tengu, pensando que está pregando uma peça cruel, faz chover dinheiro ou bolos de arroz sobre o jogador. O jogador fica obviamente encantado e começa a assustar o tengu com a coisa que ele mais teme. O jogador então obtém a cabaça mágica do tengu (ou outro item precioso) que foi deixada para trás
Pericia dos Tengus em Artes marciais
“Ao longo do século XIV, a figura do tengu, antes associada principalmente ao clero budista, passou por uma transformação significativa. Assim como seus antecessores sinistros, os tiāngǒu, os tengu começaram a ser vinculados à guerra e à arte marcial. Essa mudança de percepção é exemplificada pela lenda de Minamoto no Yoshitsune, um dos maiores samurais do Japão.
Imagem: Treinamento Ushiwaka-maru com o tengu do Monte Kurama, por Kunitsuna Utagawa. Este assunto é muito comum no ukiyo-e.
Segundo o conto, quando ainda era um menino, Yoshitsune foi exilado para o Monte Kurama, onde se tornou discípulo de Sōjōbō, um tengu que habitava a montanha. Sob a tutela do espírito, Yoshitsune aprendeu as mais altas técnicas de esgrima, preparando-se para a vingança contra seus inimigos.
Inicialmente, a relação entre o tengu e o humano era vista como mais uma tentativa demoníaca de causar caos. No entanto, com o passar do tempo e a crescente fama de Yoshitsune, a imagem de Sōjōbō foi reinterpretada. Ele deixou de ser apenas um demônio manipulador e passou a ser visto como um sábio mestre, um protetor e um guia espiritual. Essa mudança de percepção é evidente em peças de teatro como “Kurama Tengu”, onde a relação entre o tengu e o jovem samurai é retratada com grande afeto e respeito.
Essa tendência de associar os tengu à arte marcial e à educação de grandes guerreiros perdurou por séculos. Histórias posteriores, como as de Sōzan Chomon Kishū e a da província de Inaba, reforçam essa imagem dos tengu como mestres de espadas, capazes de transmitir seus conhecimentos a humanos escolhidos.”